O estigma relacionado aos transtornos mentais

O estigma relacionado aos transtornos mentais é um dos problemas mais significativos na área da saúde mental, pois pode ser tão debilitante quanto a própria doença. Etimologicamente tem origem na palavra grega "stígma", pois na Grécia Antiga os “escravos”, “criminosos” e “traidores” eram distinguidos com cortes ou queimaduras. Essas marcas sinalizavam que aquelas pessoas eram indesejadas.

A história da “loucura” e dos transtornos mentais acompanha a humanidade desde seus primórdios e sempre esteve associada a estereótipos que variavam conforme os valores sociais de cada época. Até o período da Renascença e do Racionalismo, as pessoas com transtornos mentais eram estigmatizadas não por estarem doentes, mas devido à sua condição de vulnerabilidade, semelhante a outras formas de adversidade humana. Quando a “loucura” passou a ser classificada nosologicamente como transtornos mentais, surgiram novas formas de estigmatização, como a percepção de incapacidade, fragilidade emocional, insuficiência, incurabilidade, imprevisibilidade e falta de confiabilidade.


O sociólogo Erving Goffman, pioneiro no estudo do estigma, define-o como “situação do indivíduo que é inabilitado para a aceitação social plena” e a “um atributo profundamente depreciativo” Este construto se manifesta em três níveis: estereótipos, preconceitos e discriminação. Os estereótipos são opiniões pré-concebidas em relação a certos grupos, usados para categorizar afim de facilitar certos julgamentos, pois a mente humana não consegue processar todas as informações disponíveis. Portanto, os estereótipos podem ser tanto positivos quanto negativos, mas superficiais e pouco confiáveis. O preconceito ocorre quando esses estereótipos negativos são acompanhados por sentimentos e pensamentos negativos. Por fim, a discriminação é a manifestação comportamental do preconceito.

O indivíduo com transtorno mental pode ser alvo de estigmatização nas relações sociais e também pode internalizar o estigma, o que é conhecido como autoestigma. O estigma social restringe o convívio familiar, as amizades, os relacionamentos íntimos, o acesso a emprego e ao desenvolvimento pessoal, gerando sofrimento psíquico. O autoestigma ocorre quando o indivíduo assume os estereótipos a ele impostos, gerando ainda mais sentimentos negativos, desvalorização pessoal e isolamento social.
É importante destacar que o processo de internalização dos estereótipos pode ocorrer muito antes do surgimento da doença, pois eles são construídos e difundidos socialmente por meio da experiência, contato frequente com um grupo e influência da mídia. Assim, quando um indivíduo que já internalizou estereótipos adoece, ele espera ser discriminado e tende a esconder seu problema dos outros, tornando o acesso ao tratamento e à reabilitação ainda mais difícil. Portanto, as pessoas com transtorno mental sofrem duplamente: pela doença em si e pela estigmatização e discriminação.

Portanto, é fundamental combater o estigma e desconstruir os mitos em torno das doenças mentais. Isso envolve um maior acesso a informações confiáveis sobre o assunto, a educação de pacientes, familiares e da sociedade em geral. Estratégias e políticas de inclusão de pessoas com transtornos mentais, maior acesso ao mercado de trabalho e às universidades, também podem reduzir o estigma, uma vez que o convívio com pessoas que têm transtornos mentais promove a aceitação social, empatia e compreensão. Assim, ao conviver com pessoas com transtornos mentais e falar sobre saúde mental, emoções e sentimentos, reduzimos o estigma, pois percebemos que essas questões não estão tão distantes como imaginávamos, mas são parte da nossa humanidade.

REFERÊNCIAS

FOUCAULT, M. História da Loucura na Idade Clássica. Ed. Perspectiva, 2010, São Paulo.

MORANDO, Eunice Maria Godinho et al. O conceito de estigma de Goffman aplicado à velhice. International Journal of Developmental and Educational Psychology, n. 2, p. 21-32, 2018.

NO, TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS MENTAIS. ESTUDO DO ESTIGMA COMO BARREIRA AO TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS MENTAIS NO CONTEXTO DE UMA INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL. 2020. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

PEREIRA, Alexandre de Araújo et al. Estigma dirigido a pessoas com transtornos mentais: uma proposta para a formação médica do século XXI. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 25, p. 383-406, 2022.

ROCHA, Fábio Lopes; HARA, Cláudia; PAPROCKI, Jorge. Doença mental e estigma. Revista Médica de Minas Gerais, v. 25, n. 4, p. 590-596, 2015.

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